Caridade

Há 115 anos pela inclusão

Instituo São Benedito há mais de um século oferece apoio e educação para meninas pobres negras

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As alunas durante aula de música, uma das atividades oferecidas (Foto: Jô Folha-DP)

Praça José Bonifácio, 102. A edificação, hoje em cor verde, carrega uma história centenária. São 115 anos de trabalho incansável pela inclusão social de crianças em vulnerabilidade. Pequenos à margem da sociedade. Filantrópico, o Instituto São Benedito respira com o abastecimento de doações de sócios e da comunidade em geral, profissionais voluntários e patrocinadores.

Tudo começou em 13 de maio de 1901, quando a porto-alegrense Luciana de Araújo abriu portas para receber meninas pobres e negras. Filha de mãe escrava, ao chegar a Pelotas foi sensibilizada pela grande quantidade de crianças negras órfãs e desamparadas - no período, elas não eram aceitas em instituições de assistência social por causa de sua cor. Luciana - também negra e vinda de uma infância pobre - mobilizou outras mulheres a lutarem pela causa.

Juntas fundaram o, então, Asilo de Órfãs São Benedito. A história conta que a homenagem ao santo negro nasceu após uma promessa de Luciana, concedida por ele. Inicialmente a obra desenvolveu atividades na casa 7 da antiga praça da Matriz, atual praça José Bonifácio. Nos dois primeiros anos de existência foram matriculadas 11 meninas. O trabalho de Luciana de Araújo ficava popular na cidade. Suas ações filantrópicas lhe deixaram conhecida como Mãe Preta, entre a comunidade.

Congregação
Diretora interna da instituição desde 1994, irmã Julieta Bertuol conta que mais tarde, quando Luciana havia ido embora para Bagé desenvolver trabalho semelhante, a diretoria do Asilo solicitou a presença da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria. Em 1912 elas assumiram a direção interna e os encargos dos serviços assistenciais. Os acolhimentos não paravam de crescer. Foi necessário mais espaço para continuar atendendo a demanda. Então, a sede da entidade foi transferida para o atual edifício, gratuitamente cedido por Joaquim Rasgado, em 1915.

Natural de Viena, Áustria, Bárbara Maix é fundadora da Congregação religiosa. Entre seus objetivos, a assistência às pessoas doentes. Por volta de 1843, a congregação previa a “visita aos enfermos, para prestar-lhes assistência religiosa, prepará-los a receber os últimos sacramentos e dispô-los a terem uma santa morte”. Era o que, na época, Bárbara julgava ser possível na área da saúde.

Os princípios que Bárbara consistiam em estar ao lado dos enfermos - não apenas para servi-los na doença, como enfermeiras, mas principalmente para auxiliá-los espiritualmente. A Congregação das irmãs defende que a saúde da pessoa é sagrada e os males físicos estão relacionados a problemas pessoais, comunitários, sociais ou estruturais. Então, ao migrarem para o São Benedito passaram a combater a miséria ao acolher as crianças em vulnerabilidade, relata irmã Julieta.

Legado
Ao lado do presidente da instituição, Flávio Gastal, irmã Julieta lembra com respeito do trabalho executado por Luciana. Todos que ali atuam são voluntários. “Nossa obra de assistência social existe graças a ela. Ela teve muita ousadia, muita bravura ao criar este espaço”, frisa.

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A trabalhadora doméstica Rosemere Costa encontra no Instituto amparo para as filhas (Foto: Paulo Rossi-DP)

Irmã Julieta conta que os professores são cedidos pela rede municipal para ministrarem as aulas. Outras atividades são desenvolvidas por estagiários selecionados pelo Instituto. Entre os corredores de piso frio, as paredes exibem os trabalhos de sala de aula das crianças, assim como palavras de incentivo - alegria, vida, paz, verdade e amor são algumas.

Mudanças internas

1901 a 1917 - Escola em regime de internato (ensino primário e técnicas domésticas)
1917 a 1936 - Funcionou como Escola Santa Inês. (Ensino Primário)
1937 a 1950 - Foi instalado o Colégio São Benedito
1950 a 1958 - Com o decreto 209, o então prefeito de Pelotas, Joaquim Duval, municipalizou a escola desta instituição. Passou a se chamar Escola Municipal Luciana de Araújo, em homenagem à fundadora. Em 1958, a Escola Municipal Luciana de Araújo foi transferida do Instituto São Benedito para a rede municipal, a pedido da diretoria
1959 - A escola passa a ser denominada Escola de Primeiro Grau Incompleto São Benedito
1968 a hoje - O internato foi extinto, passando a funcionar o regime de semi-internato para meninas carentes

Fortalecimento de vínculos
O Instituto atende hoje, gratuitamente, 115 crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social, de áreas periféricas da cidade. O atendimento se dá através do serviço de convivência e fortalecimento de vínculos. As meninas ficam entre manhã e tarde na escola e têm direito a, pelo menos, três refeições. As crianças recebem Ensino Fundamental - 1º ao 5º ano - e oficinas pedagógicas e culturais.

No turno da manhã, elas têm aulas regulares com os professores, através do plano de curso. São habilitados para trabalharem o ensino-aprendizagem, datas comemorativas de cada mês e celebrações eucarísticas. Já na parte da tarde trabalham oficinas pedagógicas, onde as crianças recebem aula de apoio, coral, artes, balé, passeios, assistem a DVDs com desenhos e filmes adequados à faixa etária e à recreação. Também são avaliadas com pareceres descritivos a cada trimestre, têm atendimento com psicopedagogos, psicólogos e atendimento personalizado aos pais, quando necessário.

Resultados
O trabalho doméstico entre manhã e tarde não permite que Rosemere Costa, 28, possa cuidar das filhas em sua casa, na região do Porto. “Ou elas iriam pra escola ou eu não trabalharia. Não tinha como”, relata. Há três anos conheceu o trabalho do Instituto São Benedito e tentou matricular a primogênita na escola. Os critérios de seleção são rigorosos - conforme a diretora, além de entrevista com responsáveis de candidatas, são feitas visitas ao local onde as crianças moram. Irmã Julieta salienta que o procedimento quer garantir que meninas realmente com dificuldades econômicas sejam contempladas pela a entidade, de forma a dar continuidade à proposta da fundadora.

Um ano depois de inscrever a primogênita, Rosemere também matriculou a filha mais nova. Somente então parou de fazer faxinas e conseguiu fixar-se em um emprego. Uniformizadas, as meninas Ana Luiza e Lúcia Nayara, de oito e sete anos, respectivamente, falam alegres sobre a escola. Mais tímida, Ana Luiza conta que sua atividade favorita é o balé. Já a caçula é mais falante. Segundo ela, está ansiosa para chegar aos oito anos e finalmente acompanhar a irmã nas aulas de dança. Enquanto a idade não chega, aprende movimentos com os passos da irmã, em casa. “Elas aprendem muito lá. Aprenderam a ler no São Benedito. Eu espero que continuem gostando de estudar lá”, sorri a mãe.

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